Com um repertório dedicado à rainha do mar, o cantor e produtor Tom da Bahia é o nome por trás de um dos eventos afro-brasileiros mais marcantes do calendário francês, a Odoyá France. A terceira edição da festa, realizada no último 31 de maio na comuna de Saint-Ouen, levou cerca de cinco mil pessoas para celebrar Iemanjá com música, dança, capoeira, Tambor de Crioula e muita espiritualidade.
Fundador da Associação Odoyá France, Tom é natural de Itabuna (BA) e vive na Europa há quase 20 anos, desde quando trocou os campos de futebol pela música e pela arte. Ao lado da esposa Mary Dantas, ele comanda um projeto que vai muito além da festa: promove formação, fortalece a representatividade afro e insere a cultura baiana de forma definitiva no calendário cultural francês.
O artista baiano também se prepara para dois importantes shows, no dia 14/06 na Associação Gol de Letra, projeto social do ex-jogador Raí, e no dia 24/06 em Roland Garros, tradicional espaço do tênis francês — agora palco da música baiana.
Nesta entrevista, ele fala sobre fé, reinvenção, e o poder transformador da cultura afro-brasileira na diáspora.
Você trocou os gramados pelos palcos depois de uma lesão. Hoje, com a Odoyá France já consolidada, você sente que encontrou sua verdadeira vocação na música e na cultura? Como foi esse processo de reinvenção?
Com a minha carreira musical e logo a criação da Odoya, ficou ainda mais claro a minha vocação com a música e com a cultura! Foi um processo bem demorado, bem trabalhoso. Mas isso eu já sabia desde o começo que: grandes sonhos são necessários grandes esforços e comigo não foi diferente.

A festa Odoyá France vem crescendo a cada edição e já atrai um público expressivo e diverso. Que tipo de retorno você tem recebido do público europeu em relação à cultura afro-brasileira? Já teve alguma reação que te marcou profundamente?
“Hoje a Odoya se firmou, com a 3ª edição, agora chegamos a Tradição. Existe um retorno das pessoas ao saber que o Brasil não se restringe apenas ao Rio de Janeiro ou a São Paulo. Hoje as pessoas estão começando a falar da Bahia, de Salvador, do samba reggae e até mesmo do candomblé, estou mais que feliz! Todos meus objetivos com a Odoya estão se concretizando, levar aos franceses a cultura afro- brasileira (Bahia).”


A festa de Iemanjá na França é realizada meses depois da data tradicional no Brasil, por conta do inverno rigoroso. Como foi adaptar essa celebração para o calendário e o clima europeu, sem perder sua essência espiritual e cultural?
“Antes de mais nada, a data da festa de Odoya no brasil na Bahia, foi uma data criada, Iemanjá não nasceu 2 de fevereiro. Aqui foi de acordo ao clima e época próximo as férias escolares e do povo francês, e de forma alguma perdeu sua essência. Quando se tem fé, e está ao lado dos orixás, tudo funciona. Nada é feito sem autorização dos próprios Orixás.”

Você mencionou que faltam espaços voltados à cultura afro na França. Como enxerga o papel da Odoyá nesse contexto? Acha que o projeto também cumpre uma função política e educativa além da celebração?
“De extrema importância! A Odoya chegou para levar e impor uma espaço afro-brasileiro no calendário francês. E estamos conseguindo nosso objetivo. Em apenas 3 edições já levamos 5 mil pessoas ao evento e a cada ano vamos aumentando esse número. A cultura afro-brasileira tem que chegar ao máximo de pessoas possível, e não faltará esforços da nossa parte! Odoya mãe .”
O Tambor de Crioula estreou nesta terceira edição da festa. Como você seleciona as manifestações culturais que entram na programação? Existe uma curadoria para mostrar a diversidade do Brasil negro?
“Durante todo o ano eu como presidente e fundador da Odoya, saio em busca de todos os movimentos afros-brasileiros por Paris e região e vi que o Tambor de Crioula poderia agregar a nossa seleção de cultura afro.“



Você foi o único brasileiro a se apresentar num evento comemorativo das Olimpíadas de Paris e também na sede da UNESCO. Como foi viver esses momentos e o que eles representam na sua caminhada como artista e representante da cultura afro-baiana?
“São momentos inesquecíveis!!! Momentos que levarei até o final da minha vida. Um negro cantando em lugares que nunca pensaríamos que um dia estaríamos lá. Gigante. No dia 21 de junho, data que marca oficialmente o início do verão no país europeu, vou me apresentar no Fête de la Musique, festival musical, próximo à Torre Eiffel. Já no dia 24, também deste mês, vou entrar em outro lugar gigantesco Roland Garros e vou fazer uma homenagem ao Brasil, serei o representante brasileiro no evento. Maravilhoso um negão, cabelo duro representando o brasil, sem palavras .”
O que podemos esperar da Odoyá nos próximos anos? Há planos de expandir o evento para outras cidades europeias ou até mesmo de levar artistas e comunidades francesas para conhecer a Bahia?
“Na verdade, vamos continuar a crescer aqui. Primeiro temos que ser grandes onde estamos para poder pensar em expandir. Vamos consolidar cada vez mais o nosso nome e espaço, a expansão virá automaticamente.”




Fotos: Eleonora Taliani