Afrobeto: um projeto de transformação e representatividade cultural

Projetos educativos que promovem a inclusão e o respeito à diversidade cultural desempenham um papel fundamental na formação de jovens que compreendam e valorizem as raízes multiculturais da sociedade brasileira. Em um contexto em que o preconceito racial e a intolerância religiosa ainda se manifestam de maneira preocupante nas escolas, iniciativas que incentivam o conhecimento e a valorização da cultura afro-brasileira emergem como ferramentas essenciais para o desenvolvimento de uma visão crítica e menos discriminatória.

A educação antirracista e culturalmente sensível permite que as crianças reconheçam suas próprias origens e construam uma identidade saudável, livre de estereótipos negativos, ao mesmo tempo que ajuda na desconstrução de preconceitos enraizados.

O projeto Afrobeto, criado pela professora Bianca Barreto em uma escola municipal de Salvador, é um exemplo significativo desse tipo de iniciativa. Bianca, que é doutoranda em Dança e afroeducadora, desenvolveu o projeto ao observar situações de intolerância religiosa e preconceito entre seus alunos, que repetiam visões limitadas e negativas sobre o continente africano. Por exemplo, crianças de seis anos descreveram a África como um lugar marcado apenas por miséria e sofrimento, mencionando “meninos com barrigão”, “fome” e “pessoas jogando comida de helicóptero.” 

Essa percepção, amplamente enraizada, expressa a necessidade de projetos que abordem a diversidade cultural com profundidade e sensibilidade. O Afrobeto, assim, propõe uma nova visão, mostrando às crianças que a África é também um continente rico em cultura, história e realizações.

Para introduzir essa perspectiva, o material organiza o alfabeto de maneira que cada letra representa um elemento da cultura africana ou afro-brasileira. O “A”, por exemplo, pode ser associado ao acarajé, e o “B” ao berimbau, mostrando aos alunos a presença e importância da herança africana em seu cotidiano. Essa abordagem interdisciplinar enriquece a prática pedagógica e, ao mesmo tempo, amplia o conhecimento dos estudantes sobre temas relacionados à história, à geografia e às artes.

 

As atividades propostas pelo projeto não se limitam ao alfabeto; incluem também dinâmicas como a “afrogincana” e a “afroteca”, que incentivam a participação dos estudantes em experiências culturais práticas e lúdicas, reforçando o aprendizado de maneira envolvente e significativa.

O projeto enfrenta desafios significativos em sua implementação, principalmente devido ao preconceito que ainda persiste dentro e fora das escolas. Muitas famílias e até colegas professores inicialmente demonstraram resistência, questionando a relevância de uma abordagem antirracista e interdisciplinar. Contudo, os impactos positivos logo começaram a surgir: crianças que antes viam a África apenas como um lugar de escassez passaram a reconhecer aspectos culturais e históricos que celebram a riqueza daquele continente e sua relação com o Brasil. “Eu nunca imaginei que o ‘A’ de avião poderia ser de acarajé!”, disse uma das alunas, expressando surpresa e entusiasmo ao se deparar com essa nova visão. A transformação também atingiu a própria comunidade escolar, pois, à medida que o projeto ganhou visibilidade, os colegas de Bianca começaram a validar sua proposta pedagógica.

Comparado a outros projetos educacionais como o “ABC da Cidadania” e o “África Viva”, que também visam uma educação mais inclusiva e antirracista, o Afrobeto se destaca pela profundidade de sua abordagem e pela maneira como conecta diferentes disciplinas, como Educação Física, Artes e Língua Portuguesa, a temas culturais afro-brasileiros. Essa integração permite que os alunos compreendam a relevância da cultura africana em suas vidas de forma concreta e diária, expandindo o projeto para além do aprendizado acadêmico.

O Afrobeto segue, assim, a Lei 10.639, que torna obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana nas escolas, mas faz isso de maneira inovadora, demonstrando como o conteúdo pode ser apresentado de forma criativa e envolvente.

Para que iniciativas como essa prosperem, o apoio institucional e o incentivo financeiro são essenciais. A falta de recursos e de incentivo por parte de algumas instituições educacionais ainda é um entrave ao crescimento de projetos como esse, que poderiam ser replicados em outras regiões do Brasil. Bianca expressa o desejo de expandir o Afrobeto, adaptando-o a diferentes realidades culturais, criando versões em braille e até uma versão para colorir. Esse tipo de adaptação possibilita que crianças de todas as regiões do país, independentemente de suas origens culturais ou limitações, possam ser beneficiadas por uma educação mais inclusiva e representativa.

Refletir sobre o impacto do Afrobeto nos lembra da importância da representatividade para as crianças. O contato com uma perspectiva ampliada e positiva da cultura africana permite que estudantes negros se vejam de maneira valorizada, enquanto estudantes de outras origens aprendem a reconhecer e respeitar essa herança como parte do tecido cultural brasileiro. 

Fotos: divulgação

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Criado por Jadson Nascimento

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