A realidade dos gamers negros e o racismo em League of Legends

A cultura dos games e jogos online é uma das mais vibrantes e expansivas da era digital. Milhões de jogadores ao redor do mundo se conectam diariamente para competir, colaborar e se divertir. Esse universo oferece um espaço onde pessoas de diversas origens podem interagir e compartilhar experiências. No entanto, essa cultura, que deveria ser inclusiva e acolhedora, muitas vezes se torna um palco para atitudes discriminatórias e ofensivas, refletindo problemas sociais mais amplos. 

A história de Túlio, um jovem negro conhecido como “Que aula” na comunidade gamer, destaca a dura verdade sobre o que acontece no mundo virtual e nos jogos, onde muitos acreditam que podem agir impunemente. Este texto explora a experiência do jogador, critica a resposta inadequada das plataformas de jogos a essas situações, e reflete sobre a necessidade urgente de mudanças.

O caso de Túlio: um retrato da discriminação no mundo dos games

Túlio, ou “Que aula” para seus seguidores, é um streamer e jogador de League of Legends, um dos jogos mais populares do mundo. Em uma de suas partidas, ele pediu a um colega de equipe para mudar de rota – uma prática comum e estratégica no jogo. A resposta que recebeu foi um ataque racista: “não digita pra mim, criolo imundo”. O agressor então começou a sabotar a partida, jogando de maneira intencionalmente prejudicial para garantir a derrota do time.

Indignado, Túlio reportou a atitude negativa no sistema do jogo e pediu a outros jogadores no saguão que também fizessem o mesmo. Algum tempo depois, ele recebeu uma mensagem automática informando que um jogador reportado havia sido punido. Mas sem saber se o caso específico do racismo havia sido tratado, ele decidiu abrir um ticket (solicitação enviada diretamente ao suporte do LoL)  na página da Riot Games, desenvolvedora do League of Legends.

Devido ao alto volume de tickets relacionados a um novo sistema de segurança, chamado Vanguard, Túlio foi informado de que a resposta demoraria mais que o usual. Após treze dias sem resposta, ele tentou reenviar o ticket, mas descobriu que o sistema não permitia novas submissões para o mesmo caso. Determinado a buscar justiça, Túlio enviou fotos e relatos no Discord da “Academia de Piltover – um braço da – onde participa da”. Ele marcou membros com o cargo de “polícia” na plataforma, perguntando se havia algo mais que pudesse ser feito além de reportar e enviar tickets. A resposta que recebeu, dias depois, foi que a única solução seria continuar enviando tickets.

O jogador que cometeu o crime de racismo continuou jogando livremente. Menos de uma semana depois, outro membro do canal de Túlio sofreu racismo apenas por estar associado a ele.

League of Legends existe há 14 anos, e casos como esses mostram que a empresa ainda não encontrou uma solução eficaz para lidar com o racismo e outras formas de discriminação em sua plataforma. Túlio, como muitos outros jogadores negros, enfrenta uma luta constante contra o racismo no mundo virtual dos games, onde muitos acreditam que podem agir sem consequências.

Esse problema não é exclusivo de League of Legends. Jogos como Call of Duty (baniu mais de 350 mil jogadores por comportamentos racistas e tóxicos em 2021), Overwatch (2017), e muitos outros também enfrentam uma epidemia de comportamentos tóxicos e discriminatórios. Em todos esses ambientes, jogadores negros e de outras minorias são frequentemente alvo de abusos racistas e outras formas de assédio. As respostas das empresas que gerenciam esses jogos variam, mas frequentemente são insuficientes para efetivamente combater e erradicar tais comportamentos. A falta de ação contundente e a aplicação inconsistente das políticas de punição acabam perpetuando um ciclo de impunidade e toxicidade.

No Brasil, mais de 50% da população se identifica como negra, segundo dados do IBGE. A realidade vivida por Túlio e outros gamers negros reflete uma falha sistêmica das plataformas de jogos em criar ambientes seguros e inclusivos para todos os jogadores. Empresas de games, especialmente aquelas com a popularidade e influência da Riot Games, têm a responsabilidade de tomar medidas concretas contra o racismo. Isso inclui não apenas punir os ofensores, mas também educar a comunidade, promover campanhas de conscientização e criar ferramentas eficientes de denúncia e suporte.

A legislação brasileira é clara quanto à prática de racismo. De acordo com o Artigo 140 do Código Penal Brasileiro, injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro, especialmente utilizando elementos referentes à raça, cor, etnia, religião, origem ou condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência, é um crime passível de punição severa. Ignorar tais ofensas no ambiente virtual não apenas perpetua a impunidade, mas também desrespeita as leis do país.

A omissão das empresas de jogos e a conivência de parte da comunidade gamer perpetuam um ambiente tóxico onde o racismo e outras formas de discriminação são tolerados. A dor sofrida por jovens negros como Túlio, que buscam nos jogos um momento de diversão e acabam sendo alvos de ódio, é profunda e devastadora. Esse cenário é uma evidência clara de que o problema está longe de ser resolvido e exige uma abordagem muito mais proativa e rigorosa por parte das desenvolvedoras de jogos.

Refletindo sobre esses acontecimentos, é crucial questionarmos: até quando empresas de games continuarão negligenciando sua responsabilidade de criar espaços verdadeiramente seguros e inclusivos? Quando veremos ações concretas e campanhas educativas que visem a erradicação do racismo no mundo virtual?

A mudança começa com a pressão da comunidade e a responsabilização das empresas. O silêncio e a inação são cúmplices do racismo. É hora de exigir mais das plataformas de jogos e construir um futuro onde todos possam jogar sem medo de discriminação. A conivência com comportamentos tóxicos não pode mais ser tolerada; é preciso uma reforma profunda e imediata na maneira como essas empresas lidam com o assédio e a discriminação em suas plataformas. Somente assim poderemos garantir que os espaços virtuais sejam realmente inclusivos e seguros para todos.

Foto: divulgação

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Criado por Jadson Nascimento

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