O rap sempre foi mais que um gênero musical. Podemos dizer que ele é narrativa, resgate, história viva. E com os lançamentos de ‘Diamantes, Lágrimas e Rostos Para Esquecer’, de BK’, e ‘Quanto Mais Eu Como, Mais Fome Eu Sinto’, de Djonga, isso fica ainda mais evidente. Ambos os álbuns mergulham na tradição musical brasileira, resgatando vozes consagradas que, ironicamente, parte da nova geração ignora.
BK’, em sua nova obra, traz uma tapeçaria sonora construída com samples de Djavan (Esquinas), Luciana Mello (Guerra Perdida), Milton Nascimento (Certas Canções), Fat Family (Madrugada) e Evinha (Só Quero). Cada referência não é mero detalhe – é um elo com a história da música nacional, com artistas negros que pavimentaram caminhos. Enquanto isso, Djonga bebe da mesma fonte, incorporando Los Hermanos (Te Espero Lá) e, mais uma vez, Milton Nascimento – dando voz ao refrão – (Demoro a Dormir), costurando um disco que transita entre inquietações, conquistas e a busca por um alimento maior: o espiritual.


Mas aqui vem a questão: por que esses resgates não são celebrados como deveriam? O Brasil tem qualidade musical, tem legado, mas a nova geração parece mais preocupada com números e charts do que com a história. O sample, que no rap e no hip-hop sempre foi reverência e inovação, muitas vezes é visto por essa juventude apenas como um recurso de produção. Esquecem que, sem a tradição, não há revolução.
E isso não é novidade. O sample sempre foi o fio condutor da cultura hip-hop. Basta lembrar de Racionais MC’s, que usaram Stratus de Billy Cobham em Tempos Difíceis, ou Sabotage, que imortalizou Pais e Filhos, da Legião Urbana, em O Rap é Compromisso. Nos EUA, Madlib revitalizou Mystic Brew, de Ronnie Foster, enquanto J Dilla fez arte com fragmentos de canções obscuras. Samplear não é copiar. É manter viva uma linhagem de artistas que não podem ser esquecidos.
Se BK’ e Djonga fazem isso com maestria, por que não há mais reconhecimento? Falta curiosidade, falta paciência para entender que música não se resume a estatísticas. E é justamente por isso que esses dois álbuns são tão essenciais. Eles reafirmam a grandiosidade do rap brasileiro e também desafiam a lógica descartável do consumo musical atual.
Então, antes de perguntar o que faz um disco ser relevante, experimente ouvir com atenção. Escute BK’, escute Djonga, e perceba que cada sample carrega uma história. O hip-hop nunca foi e nunca será apenas um gênero. Ele é um movimento, um legado – e ignorá-lo é ignorar a própria cultura brasileira.
Foto: Bruna Sussekind e @coniiin