Recentemente, o compositor brasileiro Toninho Geraes se viu no centro de uma polêmica internacional ao processar a cantora britânica Adele, alegando que a canção “Million Years Ago” plagiou “Mulheres”, samba eternizado na voz de Martinho da Vila. Apesar de especialistas apontarem similaridades entre as melodias e da Justiça brasileira determinar a retirada temporária da música de plataformas digitais, o caso escancarou uma questão que vai além do tribunal: o comportamento de parte dos brasileiros diante de artistas nacionais e internacionais.
Nas redes sociais, muitos comentários revelam a síndrome de vira-lata que insiste em nos assombrar. “Quem é ele perto da Adele?”, “Estão desesperados por dinheiro”, “Adele não tem nada a ver com isso”. Essas falas evidenciam uma visão que associa talento a fama midiática, charts e números, ignorando trajetórias artísticas que não orbitam o mainstream. É como se um artista brasileiro de menor projeção global fosse incapaz de produzir algo tão grandioso que chegasse a ser alvo de plágio.
Isso não é um fenômeno novo. Em 1979, no auge de sua fama, Rod Stewart lançou “Da Ya Think I’m Sexy?” com elementos inconfundíveis de “Taj Mahal”, de Jorge Ben Jor. Mesmo com Stewart admitindo o plágio e acertando-se com Jorge Ben, casos como esse continuam sendo minimizados por parte do público brasileiro. Mais recente é a disputa envolvendo a melodia de “Lovezinho”, da cantora Treyce, e “Say It Right”, de Nelly Furtado. Apesar das semelhanças evidentes, o fato de Nelly ser uma artista internacional pesou na opinião de muitos brasileiros, que acusaram Treyce de buscar visibilidade.
Voltando a Toninho Geraes, é curioso que poucos conhecem a extensão de seu legado no samba. Autor de clássicos gravados por Zeca Pagodinho, Diogo Nogueira e Beth Carvalho, ele é celebrado em rodas de samba, mas invisível para além delas. Essa invisibilidade explica, mas não justifica, a descrédita de tantos brasileiros em sua causa. Afinal, especialistas reforçam a similaridade entre as canções e lembram que Greg Kurstin, produtor de Adele, é um estudioso da música brasileira, o que elimina a possibilidade de ignorância cultural.
A situação se agrava com as denúncias de irregularidades nos documentos apresentados pela defesa de Adele, como rasuras e assinaturas questionáveis. Esses pontos mostram que, longe de ser oportunismo, Toninho está lutando por seus direitos em um terreno desigual, onde gravadoras multinacionais agem com desprezo por artistas de países periféricos.
Felizmente, há brasileiros que reconhecem a justiça dessa luta, celebrando a coragem de Toninho em enfrentar um gigante da música internacional. Eles entendem que essa batalha não é apenas sobre “Million Years Ago”, mas sobre valorizar nossa cultura e exigir respeito por ela.
É hora de refletirmos sobre como nos posicionamos diante de casos assim. Não reconhecer a relevância de nossos artistas e obras é perpetuar a ideia de que tudo que vem de fora é superior. Valorizar o que é nosso não significa ignorar falhas ou superestimar talentos, mas garantir que criadores como Toninho Geraes tenham seu devido respeito e reconhecimento. A indiferença à nossa própria cultura não apenas enfraquece nossa identidade, mas também perpetua a desigualdade em um mercado cultural já tão injusto.
Afinal, será que não é hora de revermos nossos valores e aprendermos a reconhecer a grandeza que existe em nossas próprias melodias?
Foto: Brenno Medeiros/ Divulgação / Assessoria de Imprensa