Recentemente, recebemos a triste notícia do adiamento do BATEKOO Festival 2024. Marcado para 23 de novembro, o evento foi postergado para 2025 devido à falta de investimento, apesar dos esforços da organização em buscar apoio de mais de cem marcas. Mesmo com parcerias anuais de empresas como Nivea, Adidas e MAP Brasil, o festival não encontrou o suporte necessário para se realizar. Esse cenário revela a crise silenciosa que atinge o setor cultural brasileiro, particularmente os projetos focados na comunidade negra e LGBTQIAPN+.
O festival, desde sua criação em 2014, se destacou por transformar o espaço cultural brasileiro. Ele atua como um ponto de resistência e representação, levando cultura e visibilidade para mais de dez estados e alcançando milhões de pessoas. Além de promover a cultura preta, periférica e LGBTQIAPN+, gera empregos e fomenta o empreendedorismo negro, impulsionando o mercado e fortalecendo a identidade cultural do país. No entanto, mesmo com essa trajetória, o BATEKOO é forçado a lutar contra barreiras impostas por uma sociedade que ainda subestima o valor da cultura negra e da representatividade.
A falta de investimento em festivais como esse não é um episódio isolado. Há uma valorização evidente de atrações internacionais e artistas de grande apelo midiático que recebem milhões em cachês, ao passo que projetos voltados para a diversidade enfrentam um desinteresse significativo. Em festivais ao redor do mundo, ao exemplo do Afropunk, o apoio financeiro e a promoção da representatividade são realidades essenciais para o fortalecimento da diversidade cultural. Nos Estados Unidos e em países europeus, festivais que celebram a cultura negra e LGBTQIAPN+ recebem incentivo governamental e patrocínios sólidos, entendendo a importância de uma cena cultural plural e inclusiva. No Brasil, porém, as dificuldades enfrentadas por esses festivais refletem um descompasso entre a necessidade de fomentar a diversidade e a atuação do setor público e privado.
Além de promover a cultura e a representatividade, festivais como o da BATEKOO também são essenciais para a economia criativa brasileira, que representa cerca de 2,61% do PIB do país, segundo dados da Firjan. Estudos mostram que eventos culturais geram centenas de empregos temporários e movimentam a economia local, fortalecendo o turismo e o comércio. No entanto, o apoio para festivais que celebram a diversidade é desproporcionalmente baixo. Dados do setor publicitário revelam que menos de 5% das lideranças nas agências de publicidade no Brasil são de pessoas negras, uma realidade que impede maior apoio financeiro e visibilidade para iniciativas culturais voltadas à comunidade preta e LGBTQIAPN+. Essa falta de representatividade nas tomadas de decisão cria barreiras estruturais, perpetuando um ciclo de desvalorização para projetos culturais como o BATEKOO.
Essa suspensão é um alerta. São espaços que refletem as vozes e as histórias de quem não tem visibilidade nas grandes mídias. Além disso, fortalecem a autoestima de jovens negros e LGBTQIAPN+ que veem nesses eventos uma possibilidade de ocupação e expressão artística. Sem esses espaços, talentos são silenciados e a representatividade, prejudicada.
Para além do contexto financeiro, há um problema estrutural que impede a valorização da cultura negra e periférica. A predominância de lideranças brancas nas agências publicitárias e no setor cultural impõe um filtro que desconsidera a importância de apoiar projetos que dialoguem com as identidades marginalizadas. A realidade é que o desinvestimento em festivais negros e LGBTQIAPN+ reflete uma decisão consciente de não dar espaço para esses grupos, que, historicamente, enfrentam a desvalorização de suas expressões culturais.
O impacto do adiamento do festival da BATEKOO vai muito além da suspensão de um evento. Ele representa um retrocesso para a comunidade negra e LGBTQIAPN+, que perde um espaço vital de fortalecimento e celebração de sua cultura. Em tempos em que o discurso sobre diversidade e inclusão está em alta, é incoerente que o apoio a projetos como esse ainda seja negligenciado.
É preciso refletir sobre o que esse adiamento nos diz sobre o atual momento do setor cultural brasileiro. A cultura preta e LGBTQIAPN+ é uma parte essencial da identidade do Brasil, e iniciativas como a BATEKOO não podem continuar à mercê de uma estrutura que as marginaliza. Para que possamos construir uma sociedade mais igualitária, é essencial garantir apoio contínuo e efetivo a festivais que promovam a representatividade e o empoderamento dessas comunidades.
Foto: BATEKOO